rua.mp3

motivos levam a uma seleção musical pra viagens: tirar o tédio da passagem das horas, dividir com alguém ou continuar ouvindo o disco super bonder. motivos levam a abandonar a seleção: cd arranhado, outra cola maluca, botão do mp3 player que quebra ou um toca fitas faminto. uma sensação, entretanto, é batata: se por algum motivo essa seleção musical é, depois de meses, revisitada, a viagem também será. é como se a música fosse mais uma camada de tinta nas casas, o paralelepípedo roubado no chão da rua ou aquela pedrinha do rio que cortou seu pé. ou aquele sorriso.

ontem isso aconteceu comigo, consegui ouvir novamente um pacote de músicas que estava num mp3 player tecnicamente quebrado, que reviveu em plena sexta feira santa. músicas selecionadas a dedo pra uma viagem que ficaram paralisadas desde a constatação da morte.

mas naquela hora eu não estava ouvindo cardigans ou stevie wonder: estava vendo a rua, a cidade, o rio, a bicicleta, o sorriso. a música não era apenas mais segundos contados um a um. era um pedaço da minha viagem, pois era imagem. visível, palpável, pedaço. quando andamos numa rua, não pensamos no tempo que isso toma, seja cruzar quarteirões, seja subir a ladeira. ao mesmo tempo, não dá pra ver uma casa sem que os segundos sejam contados um a um. não seria verdadeiro falar que a casa apenas usa o tempo, ou que o tempo é menor, por mais tentador que pareça, mas que a música é tanto espaço quanto tempo, assim como a casa. Como não dá pra tocar a música, sobram as ruas, as casas, as bicicletas e os sorrisos. E por isso mesmo, ela toca tudo.

São Maiden

Fiz uma viagem duplamente necessária: ver o Iron Maiden em São Paulo. O Maiden é coisa querida e acompanho desde 1995, ano do X-Factor e em 2001 fui ver a banda no rock in rio 3. Ou seja, era meu segundo show, com o agravante de, dessa vez, eles estarem com um set list dos sonhos, daqueles que eu imaginava ver ao vivo babando no vhs do maiden england ou do live after death.

Chegando na terra, o primeiro passo foi descançar um pouco antes de ir pra primeira parada: a Augusta. Eis que o rádio é ligado e road to nowhere, do talking heads começa a tocar, instantaneamente. Meu cérebro deu um nó. Não fazia sentido, era uma rádio e pior, road to nowhere foi a última música que ouvi em Salvador, antes de viajar. E foi a primeira que ouvi em São Paulo. Toda aquela mitologia básica de talking heads / nova york / são paulo / cosmopolita viraram um pirão na minha cabeça e eu pensei: "Essa cidade tá de chamego comigo."



Após o choque e apreciar a música, partimos todos pra Augusta, comer uma fatia de pizza. Que pizza. Não me assusta agora todas as questões políticas de São Paulo acabarem em pizza, se fosse em salvador, tudo acabaria em acarajé, mesmo que minha preferência seja abará molhadinho. Nesse meio tempo, andei de metrô e percebi como as pessoas adoram mochilas também, todo mundo usava uma, teenage mutant ninja turtles underground.

O segundo dia foi dedicado à conhecer a paulista e todas as suas artimanhas, meo. Lá estava eu e amigos, andando, vendo os prédios, procurando biscoitos koala e sabendo que no fundo, eu ia ter que me encontrar com ela. Com Lina, em forma de trocinho masp.
gazeta

Passei pelo masp, mas fingi que não vi. Fiz doce, afinal ia custar 15 reais entrar e dia de terça feira é de graça. Não dessa vez, abelhinha. Segui o caminho e fui conhecer a cultura. A dor ia ser parecida, mas pelo menos é de graça. Sofri, mas consegui sobreviver.
para

A noite foi novamente da augusta. Voltar andando em direção ao metrô, às duas horas da manhã pela augusta, é revelador. Vi uma cena que ficará pra sempre na primeira impressão de uma cidade cosmopolita. Vejo uma garotinha no meio da pista, entre os carros. Ela está com duas garrafas de cerveja. Na frente dela, tem um mendingo de paletó correndo. A garotinha então joga uma garrafa nas costas dele. Ambos continuam correndo e ela joga a segunda garrafa. Isso aconteceu em menos de 30 segundos. E ninguém ligava.