Folhas de Pitanga

Conversando com minha mãe, descobri algo que me deixou feliz a respeito de natais passados nas cidades do interior da Bahia. Em várias casas, aquelas com chão vermelho escuro batido, era costume espalhar folhas de pitanga nos corredores, na sala e nos outros cômodos. Eu fico imaginando o cheiro e como devia ser delicioso andar arrastando folhas pelo chão, além de vê-las.

É até uma tentação lamentar esse costume perdido e fazer uma comparação com árvores de plástico com neve de plástico que vendem e compram com cartões de plástico por ai, envolvidas por um pisca-pisca com musiquinha irriante, mas lamentação geralmente soa como um solo de violino chorão e realmente isso quebra qualquer possibilidade de um bom lamento, exceto no cinema. (Deve ser por isso que uma pesquisa da Universidade Heriot-Watt de Edimburgo, na Escócia, afirma que comédias românticas, com aqueles finais felizes, atrapalham os relacionamentos alheios. Onde já se viu um violino triste, na cena do mocinho incompreendido, deixar tudo mais triste, no nosso mundo?).

Pessoalmente não tenho nada contra pisca-piscas, na verdade eu gosto deles tanto em casas quanto nas ruas, mas a musiquinha que faz a alegria de algumas tias e vovós é uma verdadeira falta de ave maria. Talvez fosse muito mais lúdico um natal com folhas de pitanga e pisca-piscas silenciosos no chão. Cheiros, luzes e quem sabe até uma fogueira pra queimar os cds de natal de Simone, afinal ela sim é responsável pelo fim do espírito natalino cristão no mundo contemporâneo.

Ansiedade Teórica

O que eu mais gosto em arquitetura, definitivamente, é a história. Os movimentos, as defesa steórica de projetos, os pitíts... É como se essa essa teoria toda me desse ar e olhos menos gastos. Fico maravilhado pela tentativa dos grandes arquitetos refletirem o espírito do tempo em seus projetos e ao mesmo tempo, sempre achei isso ligeiramente engraçado e megalomaniacozinho (até porque qualquer vontade de colocar profundidade e significado quase que absolutos num assunto nunca me compra totalmente, gerando sempre em mim uma vontade de rir um pouco).

A questão é que adoro livros de história da arte e tive ótimas aulas de arquitetura modernista, mas sempre senti uma lacuna na arquitetura contemporânea, não que a arquitetura contemporânea não deixe de ser uma lacuna, mas bem, você entendeu. Por essas e outras, um livro escrito em 2004 caiu minha mão esses dias e se chama Ansiedade Teórica e Estratégias de Design no Trabalho de Oito Arquitetos Contemporâneos.

O autor, Rafael Moneo, defende no prefácio a necessidade das escolas de arquitetura prestarem atenção na arquitetura contemporânea, nos arquitetos que entrarão no Olimpo dos livros de história. Além de arquiteto, Moneo ensina, e no início dos anos 90 ele deu um curso sobre o trabalho de arquitetos contemporâneos na Harvard Graduate School of Design, portanto o livro é uma compilação dessas aulas, além complementos posteriores. Os trabalhos de Stirling, Venturi e Scott Brown, Rossi, Eisenman, Siza, Gehry, Koolhaas, e Herzog & de Meuron são examinados pela rúbrica da "ansedade teórica e estratégias de design." Moneo usa a palavra "ansiedade" porque o estudo da arquitetura tem sido abordado de uma forma mais próxima da reflexão e discurso crítico do que qualquer desejo de elaborar uma teoria sistemática e realmente faz todo o sentido, afinal a necessidade de refletir e criticar demonstram uma angústia estática e mal discutida o suficiente para não sobrar espaço, ainda, para a sistematização de uma teoria.

Em miudos: quem tem roupa suja pra lavar não consegue dormir cheiroso.

Ainda no prefácio, Moneo dá o testemunho de Venturi citando seu o famoso livro Complexidade e Contradição na Arquitetura. "É um exame cáustico que leva à reflexão crítica; como tal, é uma disquisição (investigação) teórica ou uma expressão de ansiedade teórica, não uma teoria. Em contraste, A Arquitetura da Cidade, de Aldo Rossi, mostra o drama de uma pessoa que, embarcando num ambicioso tratado urbanístico, acaba se satisfazendo em pura catarse pessoal. Nesse ponto da história, apreciamos o livro de Rossi não tanto pela contribuição para o desenvolvimento de teoria tanto pela própria expressão de idéias, pela exemplificação de um arquiteto fazendo uso de palavras." Moneo continua citando os textos de Eisenman e Koolhaas.

O outro termo que o autor explica é "estratégias". Estratégias, do grego, estrategÿ, do alemão estrateghÿ..... bem, estratégias no livro de Moneo se refere "aos mecanismos, procedimentos, paradigmas, e dispositivos formais que são recorrentes no trabalho de arquitetos - as ferramentas com as quais eles dão forma à suas construções. Seja através da manipulação de plantas e seções na arquitetura de James Stirling, ou no desdobramento (chuif) das formas que associamos à Frank Gehry. Talvez seja mais difícil aplicar esse termo à arquitetos como Siza ou Herzog & de Meuron, mas devido à uma caligrafia arquitetônica muito pessoal inicialmente e um desejo obsessivo posterior de alinhar essas arquiteturas com certos materiais, eu acredito que eles podem ser discutidos nas mesmas linhas dos outros."

Após explicar o conceito e a diferença das arquiteturas presentes no mesmo livro, Moneo explica cronologicamente a importância de cada arquiteto escolhido:

1950/1960 - James Stirling: "sua presença foi um convite para conectar o que pode ser considerado o legado linguístico das avant-gardes, ainda vivas no início dos anos 1960, até a fortíssima inclinação por complexidade que veio logo depois. Mesmo sendo pouco discutivo atualmente, é obrigatório começar qualquer estudo da evolução da arquitetura contemporânea com Stirling.

1960/1970 - "Em seguida, Robert Venturi e Aldo Rossi aparecem juntos, Complexidade e Contradição em Arquitetura e A Arquitetura da Cidade foram lançados no mesmo ano (1966), mas o arquiteto americano deve preceder o italiano. A influência de Venturi foi imediata e dominante nos anos 1960 e início dos anos 1970, já o trabalho de Rossi, mesmo bem conhecido na Europa, não se tornou "universal" até o fim dos anos 1970, quando seu pensamento foi disseminado na América. Cada um dos dois ilustrou suas idéias com seus próprios trabalhos. Venturi, com o reino construido como ponto de partida, tentou explorar a disciplina e mostra o quanto resiste à norma e tende em direção ao singular. Em contraste, Rossi tentou estabelecer a disciplina depois de ter decodificado as chavas que explicam a arquitetura da cidade. Ambos influenciaram o pensamento arquitetônico por décadas, e essa influência é sentida até hoje."

1970/1980 - "Um desejo expresso de fazer a teoria preceder a prática caracteriza o trabalho de um arquiteto como Peter Eisenman. Responsável pela teoria atrás do trabalho dos Nova Yorkinos, no livro de 1972 entitulado Cinco Arquitetos, ele foi também a ponta da lança do Instituto para Arquitetos e Estudos Urbanísticos e Oposições, tomando um papel chave na cultura arquitetônica Americana. Algumas vezes mal interpretado mas nunca ignorado, seus escritos teóricos ocupam um lugar proeminente no panorama dos arquitetos influentes que essas leituras tentam descrever."

1980/1990 - "Álvaro Siza e Frank Gehry dominaram a cena arquitetônica nos anos 1980. Com eles, a teoria pareceu dar lugar para uma arquitetura que era explicável através do próprio edifício construído. Mesmo Gehry sendo alguns anos mais velhos, eu apresento Siza primeiro. Sua arquitetura sempre foi admirada, desde o início, quando as revistas italianas o descobriram. Seu trabalho sempre foi seguido com enorme interesse e alguns dizem que ele se desenvolveu sem nunca abandonar os comprometimentos sociais e teóricos dos seus princípios. Levou algum tempo para Gehry se impor, mas seu impacto na arquitetura dos anos 1980 é inquestionável. Seu pragmatismo deliberado, combinado com seu jeito inovativo de lidar com materiais e formas, removeu qualquer deferência (consideração) ao contexto, em pouco tempo fez dele uma referência inquestionável. Nós traçaremos a incrível jornada na qual um arquiteto provocativo e quase-marginal se tornou um favorito das instituições nos anos 1990, a década que viu a definitiva consolidação de sua carreira através de uma corrente de grandes trabalhos coroados pelo Guggenheim de Bilbao.

Interesses teóricos e profissionais mudaram radicalmente nessa década, e a figura de Rem Koolhaas foi um paradigma dessa mudança. Koolhaas queria que os arquitetos resgatassem a racionalidade que era implícita na arquitetura que os promotores estavam construindo, livre de prejuízo intelectual. Lá, ele acreditava, estavam as raízes de um arquitetura que estava viva, não distorcida pelas ansiedades teóricas dos advogados de uma arquitetura culta. Lá estavam as chaves para a arquitetura de um mundo globalizado que não considerava a história com a nostalgia das gerações anteriores. Nova Yorke Delirante, inicialmente publicada em 1978, tem um efeito retroativo (que tem efeito sobre o passado) nos anos 1990 e foi complementado pelo muito popular S, M, L, XL, que instituiu um tipo de livro que dá mais atenção à imagem do que ao texto.

Um contraponto para isso foi o trabalho inicial de Herzog & de Meuron, que proclamava a natureza transcendental dos sólidos elementais. Contato com o mundo figurativo dos artistas minimalistas era evidente, revivendo a tradição que conecta o trabalho de arquitetos ao dos pintores. Herzog & de Meuron tiveram influência imediata nas escolas de arquitetura, e a capacidade deles em lidar com qualquer situação e adaptação às mais diversas circunstâncias explanam porque estudantes continuam a observar esses trabalhos tão de perto. Eles certamente devem ser incluidos nos arquitetos que considero influenciais."