No Café com Borges


Uma pequena estrangeira brinca com as palavras e a paciência de sua mãe enquanto espera por seu brigadeiro. "What the hell?", ela diz. A mãe, espantada, a empurra para o canto do sofá e grita "Language!". Deliciada pelo empurrão, ela torna a repetir a frase e logo o peso do xingamento cai por terra, dando espaço para um delicioso fraseado, seguido de um empurrão e a fofura do sofá. De canto, dou 
um sorriso com os olhos e a mãe, ao ver o livro que eu estava lendo, diz: "Borges!"

Perguntou se eu estava estudando, mas era apenas uma leitura, uma companhia para minha espera, assim como fazem os fumantes no ponto de ônibus, buscando não a nicotina enrolada num pedaço de papel, mas o tempo que virá e o leve balançar de pernas que a química induz.

Essa receptividade que a situação entregou a fez confiante para me sugerir uma leitura de poemas de um persa chamado Rumi. Enquanto ouvia sua sugestão, percebi que ela possuía traços orientais, e que seus olhos, em especial, traziam um pouco da Persia e um pequeno sinal entre eles, que não soube dizer se era natural ou deliberadamente pontuado. Para fugir do olhar, como sempre faço, percebi que sua filha já estava com o brigadeiro em mãos e usava a cadeira girafa de Lina como mesa, adequadíssima bancada para seu tamanho e fofura.

Antes de ir, ela me perguntou se eu sabia o significado do título do livro que eu estava lendo. Me explicou que era a letra A. Escreveu então seu email no marca texto, dizendo que tinha diversos livros dele para me passar, mas só pude constatar que sua mão era ossuda e definitivamente justa.

Ao pagar a conta, foi debitada a certeza do poder das palavras. Do empurrão que elas proporcionam, da queda num sofá com coração. Palavras ditas ou escritas numa capa de livro que não apenas oferece contos dentro de suas páginas, mas vida fora delas. Possibilidades. E foi assim que Borges me apresentou Rumi.