dejeto desejo

Os meninos (lucas, rafa, joaquim e jp), resolveram fazer uma coisa: materializar em um projeto arquitetônico a compreensão de um texto.

"para que não nos sintamos tão sós, tão sós, não nos sintamos assim, tão sós."
antônio brasileiro

O projeto seria uma residência num terreno da ladeira da barra, a foto do terreno pode ser vista aqui: wikimapia com terreno ao centro da imagem

Além da proposta, do uso e local, a forma de apresentação foi livre, o que possibilitou pra cada uma abordagem bem específica. No meu caso, preparei um modelo 3d, renderizei 5 imagens e imprimi num papel.

Aqui estão elas: (clique nelas pra ver maior)














Após impresso, levei meu A4 pra apresentação e comecei a pensar sobre como articular a forma com o texto, porque parando pra pensar, no momento em que a forma foi criada, não houve um esforço meu pra tentar traçar realmente algum paralelo com a frase de Antônio Brasileiro. A única sensação que eu tive foi de jogar uma forma que caísse sobre o terreno proposto, que é muito acentuado.

Pensar sobre alguma coisa pra mim envolve segurar alguma coisa nas mãos e a essa altura, meu A4 já era uma bola amassada. E dai surgiu um pensamento: amarrar o texto no projeto através de uma contradição.

Comecei imaginando o quão doentio pode ser essa frase de se sentir só e pensei na pessoa mais solitária do mundo. A partir dai, a todo "sós" que Antônio Brasileiro escreveu na frase, eu via apenas o sinal morse clássico de "s.o.s." que seria algo como "save our souls" ou "save our ship". Ou seja, eu encarei que o tempo todo o cara da frase estava pedindo ajuda, de forma desesperada, de forma extrema.

Tendo essa sensação de angústia amarrada, o próximo passo foi pensar num ato angustiado de solidão e me veio a mente o lixo. A cena de jogar um lixo no chão representa muita coisa, seja o fim da utilidade do objeto ou, numa escala maior, o fim do cuidado. Não se sentir cuidado é uma forma de se sentir só e pro nosso amigo angustiado e mais solitário do mundo, a vida não ofereceu muito cuidado.

Com isso em mãos, eu tentei então relacionar os declives de Salvador com o lixo. Muitas encostas da cidade estão cheias de lixo, cheias de dejetos. A forma então passou a ter esse significado forte de dejeto na encosta. O desejo de dejeto. Foi uma forma abandonada naquele terreno, ou muitas formas jogadas, não necessariamente uma única (mesmo que tendo apenas um princípio de aço e vidro retorcido, poderiam ser distintas).

As vezes, quando passo na Vitória, vejo uma casa antiga, aquela perto da árvore gigante onde você tem que sair da calçada por causa do diámetro do tronco e fedor de xixi. Essa casa é linda e abandonada, com um telhado meio vermelho escuro com fungos e lixo e muitas grades num dos muros, juntamente com estátuas e cadeiras e banheiras. A sensação de passar por ela é muito própria, até o clima parece ficar mais gelado. (claro, árvores na vitória, altura e o mar por perto ajudam o frio). E aqueles portões e grades no canto sempre chamam minha atenção. Sempre eles lá, recebendo chuva e ficando mais gastos.

Voltando ao terreno da barra, temos cara solitário, lixo, abandono e dejeto, numa abordagem extrema da frase. Falta a contradição.

Nesse terreno existe uma árvore. Uma mangueira. Ela é linda, viva e frondosa. E ela é só. Ela está entre muros e perto dela, só existe mato. As raízes dela saem por ai, sem ninguém ver. As raízes dela saem por debaixo da terra.

Por mais dejeto que a forma pareça, ela também está em alguns momentos debaixo da terra. E ela vai se alongando ao descer o terreno e ao mesmo tempo, permitindo reformas futuras. Um dejeto com raízes. Por mais isolado e jogado que pareça, existe uma intenção no personagem de não se sentir tão só e isso não é visto, isso é debaixo da terra. O que pode ser feito para que a gente não se sinta tão só? Raízes.

Então temos dejeto e árvore, convivendo na mesma terra. O ápice do lixo, enquanto inutilizável ao lado de algo tão vivo e útil. Ambos sós. A falta de desejo e o desejo, o dejeto e o desejo.

Mas.. como o cara faz pra entrar e sair da casa? Eu sei lá, o cara é doido.

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O mais curioso é que esses conceitos só apareceram depois da forma pronta. Outra coisa muito curiosa é que muitos deles só apareceram porque eu fui o último a me apresentar, o que significa que eu ouvi todo mundo e pude roubar, reciclar e adaptar idéias existentes.

5 comentários:

Mauricio disse...

totalmente niemeyer...

JR! disse...

Trabalho foda, uma desgraça na encosta...(rima). A parada legal desse trabalho (e especialmente sobre o seu) é como funciona a parada do método para chegar uma espacialidade...
(grandes bostas o q falei né?)
ateh

Anônimo disse...

poxa, bom. bem bom. daqui há uns meses tenho um convite pra você. rs.

Manuel Sá disse...

desculpa, mas não consegui descobrir quem é você, Renata.

Érica disse...

muito interessante. mas fico pensando: e o que dizer de seres humanos que atiram pessoas pela janela como um lixo...