No Café com Borges


Uma pequena estrangeira brinca com as palavras e a paciência de sua mãe enquanto espera por seu brigadeiro. "What the hell?", ela diz. A mãe, espantada, a empurra para o canto do sofá e grita "Language!". Deliciada pelo empurrão, ela torna a repetir a frase e logo o peso do xingamento cai por terra, dando espaço para um delicioso fraseado, seguido de um empurrão e a fofura do sofá. De canto, dou 
um sorriso com os olhos e a mãe, ao ver o livro que eu estava lendo, diz: "Borges!"

Perguntou se eu estava estudando, mas era apenas uma leitura, uma companhia para minha espera, assim como fazem os fumantes no ponto de ônibus, buscando não a nicotina enrolada num pedaço de papel, mas o tempo que virá e o leve balançar de pernas que a química induz.

Essa receptividade que a situação entregou a fez confiante para me sugerir uma leitura de poemas de um persa chamado Rumi. Enquanto ouvia sua sugestão, percebi que ela possuía traços orientais, e que seus olhos, em especial, traziam um pouco da Persia e um pequeno sinal entre eles, que não soube dizer se era natural ou deliberadamente pontuado. Para fugir do olhar, como sempre faço, percebi que sua filha já estava com o brigadeiro em mãos e usava a cadeira girafa de Lina como mesa, adequadíssima bancada para seu tamanho e fofura.

Antes de ir, ela me perguntou se eu sabia o significado do título do livro que eu estava lendo. Me explicou que era a letra A. Escreveu então seu email no marca texto, dizendo que tinha diversos livros dele para me passar, mas só pude constatar que sua mão era ossuda e definitivamente justa.

Ao pagar a conta, foi debitada a certeza do poder das palavras. Do empurrão que elas proporcionam, da queda num sofá com coração. Palavras ditas ou escritas numa capa de livro que não apenas oferece contos dentro de suas páginas, mas vida fora delas. Possibilidades. E foi assim que Borges me apresentou Rumi.

5

Para navegar
Digite www
Na máquina de datilografar

4

E na esquina
um carro pariu
uma bicicleta infantil

Parábola II

Corro por longos corredores de uma casa verde. Motivação? O frenético desejo de um cachorro por minhas batatas. De tão inevitável, as salas alongavam, os quartos faziam curva, os pátios internos afloravam quilômetros de mata atlântica: só pra me fazer correr mais, pro cão desejar mais, numa perseguição merecida.

Distância de um pulo para o momento da mordida. Escorrego. Em cinco segundos consigo ver dentes saltitantes, rabo no ar e um peixe morto caindo no chão. O cão virou peixe. Minha batata sorriu.

Falo pra ela:
-Oi, sonhei que seu cachorro tava querendo me morder e na hora do pulo, caiu como um peixe morto.
-Você teve um sonho premonitório do passado. Meu cachorro se afogou na piscina.

Sobre o trabalho final de graduação em arquitetura

Finalmente organizei o material que produzi para o TFG e depois de passar um mês distante de todo o processo (que durou o semestre 2009.2), resolvi colocar nessa postagem basicamente o dossiê.

Peço desculpas, entretanto, pela forma resumida de apresentá-lo: a sensação que tive ao terminar o trabalho foi de que minhas defesas foram primárias, ou melhor, muito iniciais, no quesito teórico e na abordagem final da materialidade mas pelo menos, tudo que foi pesquisado me permitiu perceber onde eu estava me metendo e me aponta direções para continuar pesquisando os assuntos levantados.

Vídeo da apresentação:



Inspirações
O que é a cultura? Ou melhor, o que é a cultura metropolitana?
Essa pergunta foi a geradora de todas as inquietações que este trabalho propõe. Sem traçados diretos do ponto A ao ponto B, as propostas presentes são como uma trama, uma tapeçaria.

Segundo o pensador Massimo Canevacci, a cidade começou a sofrer uma transição entre cidade industrial para cidade comunicacional a partir dos anos 1970. Na então cidade industrial a fábrica era não apenas o local de produção econômica, mas também política.
A fábrica, através da produção, era o centro de conflitos e dava sentido econômico, cultural e sociológico para a cidade.

A transição da cidade industrial para a comunicacional acontece através da expansão do único centro de conflitos, a fábrica, em policentros de conflitos. Ou seja: o consumo, a comunicação e a cultura passam a ter uma importância às vezes maior do que a produção.

O consumo baseado em shopping centers, cinemas, teatros, Disney world e museus passa a desenvolver um público mais pluralizado, ou melhor, públicos. Esses públicos performam o consumo.

A comunicação na era digital, seja pela produção, valores, comportamento e identidade é um aspecto ainda mais importante.
Etnias, sexualidade, família e identidade estão cada vez mais pluralizadas e essa comunicação é um reflexo disso, tornando a cidade muito mais pluralizada também, conseqüentemente. Essa transição flexibiliza a territoriedade de uma cidade e as grandes áreas metropolitanas comunicacionais se cruzam, competem e desenvolvem esse estilo. Todo o conceito de cidade (família, trabalho, território) está mais fluido e um sintoma é a dificuldade encontrada por algumas pessoas em ter o mesmo trabalho ou morar no mesmo lugar por toda vida.

Essa comunicação favorece um público participativo, não apenas passivo, e a tecnologia da comunicação digital deixa essa participação ainda mais clara. Segundo Canevacci, o público deixa de ser espectador apenas para ser também espect-ator.

Em exposições de cultura digital, em instalações, as pessoas não ficam passivas. O Linux, a internet através do youtube, blogs, microblogs, Orkut, facebook, myspace também refletem isso.
Existe uma possibilidade, na cidade contemporânea, de desenvolver um conflito direto entre individuo e sociedade e essas novas expressões ajudam a modificar a percepção que as pessoas tem de cidade.

Essas formas de se comunicar baseadas na tecnologia digital e no consumo performático estão alterando drasticamente a relação entre as pessoas e a cidade. O espaço-tempo é alterado pelas comunicações simultâneas entre pessoas que moram em lugares distantes.

O olhar, diante desse contexto, é chave nessa mudança, pois essa constante sofisticação tecnológica favorece uma multiplicação perceptiva e cognitiva. Olhar e olhar-se, inventando para ambos novas formas de olhar torna-se extremamente significativo no mundo contemporâneo. A cultura digital desenvolve uma potencialidade de olhar simultâneo, interativo e às vezes criativo, como nunca antes.


Projeto
Um sintoma desses valores e comportamentos que a cidade abriga são os entre-lugares. As raves, os coletivos, as flash-mobs, por exemplo, são flexíveis e mutantes, estruturados e realizados em entre-lugares de forma dispersa e efêmera. A arte digital não possui restrição quanto ao número de cópias e quanto a materialidade. Conexões entre pessoas podem ser feitas em praticamente qualquer lugar no planeta, possibilitando acesso a culturas e conteúdos de todas as espécies: dominantes e subterrâneas.
A própria informação deixa de ser única para tornar-se múltipla, permitindo o foco na perspectiva única e muita vezes amadora.
A metrópole é então um sistema auto generativo e auto dissolvente de signos e símbolos, representados em lugares desde Karnak até Las Vegas. “símbolo no espaço antes da forma no espaço”.

Qual seria então a fusão de um espaço de informação, arte, comércio e arquitetura em Salvador? Que espaço poderia ser representante de uma metrópole comunicacional? O poder da imagem e a carência de espaços genuinamente públicos em Salvador possuem papel fundamental nesse conceito: relembrar a caverna de Lascaux torna-se necessário enquanto metáfora por ser um espaço público de abrigo, reunião, informações e imagens como o famoso bisão, desenhado nas paredes da caverna numa escala muito maior do que a real, proporcionando entretanto o impacto e terror necessários.

O Lugar
O lugar, na Avenida Sete de Setembro, vizinho imediato do modernista Edifício Sulacap e da Praça Castro Alves (visivelmente a praça mais importante de Salvador) é um espaço genuinamente sintomático de alguns dos piores “vícios” dessa Salvador de início de século XXI: um estacionamento. Situado no olho do furacão, por estar tão próximo de edificações e ruas historicamente e culturalmente relevantes, além de ser utilizado massivamente pelos pedestres, um lugar com tantas possibilidades é utilizado apenas para carros, demonstrando carências que a cidade ainda não resolveu.
A escolha do lugar é uma tentativa de oferecer para a cidade um espaço público, favorecendo aos pedestres (cerca de 600 mil pessoas circulam na Avenida Sete diariamente) um lugar que retome e reflita as características culturais, tão marcantes na região. Com espaço para bicicletario e um estacionamento subterrâneo na Praça Castro Alves, assume dessa maneira um pouco mais de mobilidade ao local.



Projeto
3 Ambientes
1- Caverna Digital
Ao trazer a metáfora da caverna de Lascaux para a cidade contemporânea, elementos como a fluidez e a dispersão possibilitam a transição para a criação dos ambientes. A caverna digital (nas cores azul vermelho) é abrigo, informação e imagem ao mesmo tempo.
Suas paredes são monitores imensos com tecnologia multi touch screen voltadas tanto para o individuo que a manipula diretamente quanto para quem está longe, possibilitando a interação de diversos pontos da cidade ou do planeta, através da internet.
Dessa forma, exposições digitais podem ser desenvolvidas e qualquer pessoa, artista ou amador, pode mostrar seu trabalho.
O piso da caverna começa no nível da calçada da Av Sete e é todo em pedra portuguesa. Além da rampa para o platô, tem um elevador com acesso direto ao subterrâneo.
Possui 1200m2




3 Ambientes
2- Platô
O segundo ambiente, o platô, além de ligar a caverna digital ao subterrâneo, faz, através de sua aridez, um contra ponto a dispersão da caverna e o confinamento do subterrâneo. Bancos, guardas sol de energia solar, mesas, wi-fi e vegetação, tornam esse ambiente mais próximo das praças, espaços públicos por excelência, possibilitando dessa forma uma série de eventos efêmeros como coletivos, raves, shows, flash mobs, pontos de encontro, etc.
Possui 880m2 e seu piso é de madeira.





3 Ambientes
3-Subterrâneo
O subterrâneo, com 2585 m2, abarca as necessidades de um espaço equipado para palestras, filmes, shows, peças teatrais e dança.
Conectado com o platô através da rampa em amarelo e possuindo uma saida para o estacionamento da ladeira da montanha em vermelho, ele é climatizado com ar condicionado central e seu contato com o exterior se dá através de rasgos na rampa de acesso e platô. Possui vagas para 6 carros.




rá e cá

às vezes tudo certo
às vezes tudo sertão
ser tão tudo às vezes

Rima Sergipana

"Cumadre sem cu é madre
Cumadre sem madre é cu
Se tirar cu de cumadre
Fica cumadre sem cu."

Rima desenhada por um sergipano da peiga, muito presente durante minhas férias infantis naquela terra. Acho válido eternizar na nuvem e confundir ainda mais os sites de busca e pesquisadores.

Jonathan Franzen



Trecho que me fisgou do livro How to Be Alone, de Jonathan Franzen

página 69, 70 - capítulo why bother?

"Superficialmente, pelo menos, o regionalismo ainda floresce. Na verdade, é moda nas faculdades dizer que não existe mais uma América, existem apenas Américas; que as únicas coisas que uma negra lésbica de Nova Iorque e uma batista da Georgia tem em comum são a língua inglesa e o imposto de renda. A verossimilhança, entretanto, é que tanto a nova iorquina quanto a georgiana assistem Letterman toda noite, ambas estão batalhando pelo seguro de saúde, ambas possuem empregos supervisionados pela migração estrangeira, ambas vão para liquidações em super-lojas para comprar produtos da Pocahontas para seus filhos, ambas estão aumentando o cinismo através de comerciais, ambas jogam Lotto, ambas sonham com quinze minutos de fama, ambas tomam um renovador de inibição de serotonina e ambas tem uma queda culposa por Uma Thurman. O mundo de hoje é um mundo em que os valiosos dramas laterais dos costumes locais foram substituidos por um único drama vertical, o drama de uma especificidade regional sucumbindo para uma generalidade comercial. O escritor americano hoje se depara com um totalitarismo cultural análogo ao totalitarismo político que duas gerações anteriores de escritores do bloco oeste se depararam. Ignorar isso é adorar a nostalgia. Se engajar com isso, entretanto, é arriscar uma ficção que bata sempre na mesma tecla: consumismo tecnológico é uma máquina infernal, consumismo tecnológico é uma máquina infernal...

Igualmente desencorajante é a "educação" no mundo. Rudeza, irresponsabilidade, duplicidade e estupidez são marcas da interação humana real: o conteúdo das conversas, a causa da insônia. Mas no mundo do consumidor, nenhum mal é moral. O mal é o preço alto, inconveniência ,falta de escolha, falta de privacidade, azia, queda de cabelo, vias esburacadas. Isso não é nenhuma surpresa, os únicos problemas solucionáveis pela publicidade são os problemas tratados através do gasto de dinheiro. Mas dinheiro não resolve o problema da má educação - o tagarela na sala de cinema, a cunhada paternalista, o parceiro egoísta - exceto quando oferecido um refugio na privacidade atomizada. E essa privacidade é exatamente o que o século americano tende para. Primeiro a suburbanização em massa, depois a perfeição do entretenimento em casa, e finalmente a criação de comunidades virtuais cuja grande característica é que a interação com elas é inteiramente opcional - rescindível no instante que a experiência deixa de satisfazer o usuário. "

Folhas de Pitanga

Conversando com minha mãe, descobri algo que me deixou feliz a respeito de natais passados nas cidades do interior da Bahia. Em várias casas, aquelas com chão vermelho escuro batido, era costume espalhar folhas de pitanga nos corredores, na sala e nos outros cômodos. Eu fico imaginando o cheiro e como devia ser delicioso andar arrastando folhas pelo chão, além de vê-las.

É até uma tentação lamentar esse costume perdido e fazer uma comparação com árvores de plástico com neve de plástico que vendem e compram com cartões de plástico por ai, envolvidas por um pisca-pisca com musiquinha irriante, mas lamentação geralmente soa como um solo de violino chorão e realmente isso quebra qualquer possibilidade de um bom lamento, exceto no cinema. (Deve ser por isso que uma pesquisa da Universidade Heriot-Watt de Edimburgo, na Escócia, afirma que comédias românticas, com aqueles finais felizes, atrapalham os relacionamentos alheios. Onde já se viu um violino triste, na cena do mocinho incompreendido, deixar tudo mais triste, no nosso mundo?).

Pessoalmente não tenho nada contra pisca-piscas, na verdade eu gosto deles tanto em casas quanto nas ruas, mas a musiquinha que faz a alegria de algumas tias e vovós é uma verdadeira falta de ave maria. Talvez fosse muito mais lúdico um natal com folhas de pitanga e pisca-piscas silenciosos no chão. Cheiros, luzes e quem sabe até uma fogueira pra queimar os cds de natal de Simone, afinal ela sim é responsável pelo fim do espírito natalino cristão no mundo contemporâneo.

Ansiedade Teórica

O que eu mais gosto em arquitetura, definitivamente, é a história. Os movimentos, as defesa steórica de projetos, os pitíts... É como se essa essa teoria toda me desse ar e olhos menos gastos. Fico maravilhado pela tentativa dos grandes arquitetos refletirem o espírito do tempo em seus projetos e ao mesmo tempo, sempre achei isso ligeiramente engraçado e megalomaniacozinho (até porque qualquer vontade de colocar profundidade e significado quase que absolutos num assunto nunca me compra totalmente, gerando sempre em mim uma vontade de rir um pouco).

A questão é que adoro livros de história da arte e tive ótimas aulas de arquitetura modernista, mas sempre senti uma lacuna na arquitetura contemporânea, não que a arquitetura contemporânea não deixe de ser uma lacuna, mas bem, você entendeu. Por essas e outras, um livro escrito em 2004 caiu minha mão esses dias e se chama Ansiedade Teórica e Estratégias de Design no Trabalho de Oito Arquitetos Contemporâneos.

O autor, Rafael Moneo, defende no prefácio a necessidade das escolas de arquitetura prestarem atenção na arquitetura contemporânea, nos arquitetos que entrarão no Olimpo dos livros de história. Além de arquiteto, Moneo ensina, e no início dos anos 90 ele deu um curso sobre o trabalho de arquitetos contemporâneos na Harvard Graduate School of Design, portanto o livro é uma compilação dessas aulas, além complementos posteriores. Os trabalhos de Stirling, Venturi e Scott Brown, Rossi, Eisenman, Siza, Gehry, Koolhaas, e Herzog & de Meuron são examinados pela rúbrica da "ansedade teórica e estratégias de design." Moneo usa a palavra "ansiedade" porque o estudo da arquitetura tem sido abordado de uma forma mais próxima da reflexão e discurso crítico do que qualquer desejo de elaborar uma teoria sistemática e realmente faz todo o sentido, afinal a necessidade de refletir e criticar demonstram uma angústia estática e mal discutida o suficiente para não sobrar espaço, ainda, para a sistematização de uma teoria.

Em miudos: quem tem roupa suja pra lavar não consegue dormir cheiroso.

Ainda no prefácio, Moneo dá o testemunho de Venturi citando seu o famoso livro Complexidade e Contradição na Arquitetura. "É um exame cáustico que leva à reflexão crítica; como tal, é uma disquisição (investigação) teórica ou uma expressão de ansiedade teórica, não uma teoria. Em contraste, A Arquitetura da Cidade, de Aldo Rossi, mostra o drama de uma pessoa que, embarcando num ambicioso tratado urbanístico, acaba se satisfazendo em pura catarse pessoal. Nesse ponto da história, apreciamos o livro de Rossi não tanto pela contribuição para o desenvolvimento de teoria tanto pela própria expressão de idéias, pela exemplificação de um arquiteto fazendo uso de palavras." Moneo continua citando os textos de Eisenman e Koolhaas.

O outro termo que o autor explica é "estratégias". Estratégias, do grego, estrategÿ, do alemão estrateghÿ..... bem, estratégias no livro de Moneo se refere "aos mecanismos, procedimentos, paradigmas, e dispositivos formais que são recorrentes no trabalho de arquitetos - as ferramentas com as quais eles dão forma à suas construções. Seja através da manipulação de plantas e seções na arquitetura de James Stirling, ou no desdobramento (chuif) das formas que associamos à Frank Gehry. Talvez seja mais difícil aplicar esse termo à arquitetos como Siza ou Herzog & de Meuron, mas devido à uma caligrafia arquitetônica muito pessoal inicialmente e um desejo obsessivo posterior de alinhar essas arquiteturas com certos materiais, eu acredito que eles podem ser discutidos nas mesmas linhas dos outros."

Após explicar o conceito e a diferença das arquiteturas presentes no mesmo livro, Moneo explica cronologicamente a importância de cada arquiteto escolhido:

1950/1960 - James Stirling: "sua presença foi um convite para conectar o que pode ser considerado o legado linguístico das avant-gardes, ainda vivas no início dos anos 1960, até a fortíssima inclinação por complexidade que veio logo depois. Mesmo sendo pouco discutivo atualmente, é obrigatório começar qualquer estudo da evolução da arquitetura contemporânea com Stirling.

1960/1970 - "Em seguida, Robert Venturi e Aldo Rossi aparecem juntos, Complexidade e Contradição em Arquitetura e A Arquitetura da Cidade foram lançados no mesmo ano (1966), mas o arquiteto americano deve preceder o italiano. A influência de Venturi foi imediata e dominante nos anos 1960 e início dos anos 1970, já o trabalho de Rossi, mesmo bem conhecido na Europa, não se tornou "universal" até o fim dos anos 1970, quando seu pensamento foi disseminado na América. Cada um dos dois ilustrou suas idéias com seus próprios trabalhos. Venturi, com o reino construido como ponto de partida, tentou explorar a disciplina e mostra o quanto resiste à norma e tende em direção ao singular. Em contraste, Rossi tentou estabelecer a disciplina depois de ter decodificado as chavas que explicam a arquitetura da cidade. Ambos influenciaram o pensamento arquitetônico por décadas, e essa influência é sentida até hoje."

1970/1980 - "Um desejo expresso de fazer a teoria preceder a prática caracteriza o trabalho de um arquiteto como Peter Eisenman. Responsável pela teoria atrás do trabalho dos Nova Yorkinos, no livro de 1972 entitulado Cinco Arquitetos, ele foi também a ponta da lança do Instituto para Arquitetos e Estudos Urbanísticos e Oposições, tomando um papel chave na cultura arquitetônica Americana. Algumas vezes mal interpretado mas nunca ignorado, seus escritos teóricos ocupam um lugar proeminente no panorama dos arquitetos influentes que essas leituras tentam descrever."

1980/1990 - "Álvaro Siza e Frank Gehry dominaram a cena arquitetônica nos anos 1980. Com eles, a teoria pareceu dar lugar para uma arquitetura que era explicável através do próprio edifício construído. Mesmo Gehry sendo alguns anos mais velhos, eu apresento Siza primeiro. Sua arquitetura sempre foi admirada, desde o início, quando as revistas italianas o descobriram. Seu trabalho sempre foi seguido com enorme interesse e alguns dizem que ele se desenvolveu sem nunca abandonar os comprometimentos sociais e teóricos dos seus princípios. Levou algum tempo para Gehry se impor, mas seu impacto na arquitetura dos anos 1980 é inquestionável. Seu pragmatismo deliberado, combinado com seu jeito inovativo de lidar com materiais e formas, removeu qualquer deferência (consideração) ao contexto, em pouco tempo fez dele uma referência inquestionável. Nós traçaremos a incrível jornada na qual um arquiteto provocativo e quase-marginal se tornou um favorito das instituições nos anos 1990, a década que viu a definitiva consolidação de sua carreira através de uma corrente de grandes trabalhos coroados pelo Guggenheim de Bilbao.

Interesses teóricos e profissionais mudaram radicalmente nessa década, e a figura de Rem Koolhaas foi um paradigma dessa mudança. Koolhaas queria que os arquitetos resgatassem a racionalidade que era implícita na arquitetura que os promotores estavam construindo, livre de prejuízo intelectual. Lá, ele acreditava, estavam as raízes de um arquitetura que estava viva, não distorcida pelas ansiedades teóricas dos advogados de uma arquitetura culta. Lá estavam as chaves para a arquitetura de um mundo globalizado que não considerava a história com a nostalgia das gerações anteriores. Nova Yorke Delirante, inicialmente publicada em 1978, tem um efeito retroativo (que tem efeito sobre o passado) nos anos 1990 e foi complementado pelo muito popular S, M, L, XL, que instituiu um tipo de livro que dá mais atenção à imagem do que ao texto.

Um contraponto para isso foi o trabalho inicial de Herzog & de Meuron, que proclamava a natureza transcendental dos sólidos elementais. Contato com o mundo figurativo dos artistas minimalistas era evidente, revivendo a tradição que conecta o trabalho de arquitetos ao dos pintores. Herzog & de Meuron tiveram influência imediata nas escolas de arquitetura, e a capacidade deles em lidar com qualquer situação e adaptação às mais diversas circunstâncias explanam porque estudantes continuam a observar esses trabalhos tão de perto. Eles certamente devem ser incluidos nos arquitetos que considero influenciais."


cão guia

Outro dia datei um livro que ganhei por 14 de Janeiro de 2074. Datado para mim com tanto efeito quanto teria 19 de Abril de 1935 ou 28 de Setembro de 2008. É uma trilha que quer tatuar no papel o desejo de marcar a pele com sangue. É cimento mole com assinatura à dedo, tronco de árvore riscada pela pedra, marcas e mapas que nunca levam nada além dos próprios contornos fora de escala (logo, dentro).
Datar o futuro com saudade, com contornos cavados por pedaços do que não me pertence, eu seguro mesmo assim essa pedra com a mão cheia de ossos que não são meus, nem os músculos, e dato em algum canto alguma coisa. Um cão guia amarrado num poste.

onipresentus onibus onipotentus

Após receber um bafo do carro de detetização contra dengue, segui para meu destino em quatro rodas: o pituba r1. O que aconteceu nesse motorizado vermelho e azul pode ter sido apenas imaginação, ou, em contra partida, o mais forte exemplo da onipotência dos ônibus de Salvador, preferencialmente os que possuem bus tv. Afirmo de antemão que agora acredito na declaração de Claudia Leitttte, o bus tv é pra gente que pensa.

Dias atrás eu li uma declaração muito boa de Campos de Carvalho, "cada um tem o Marx que merece." e essa frase ecoou na minha mente até o momento em que, no bus tv, passa um documentário sobre os irmãos marx, pra meu doce deleite. Adoro Groucho Marx e seu programa de auditório. Conhecer a história dos irmãos, ni ônibus, é demais. Pensei comigo: "o detetizador está fazendo efeito."

Logo depois, me sinto como na Grécia Antiga, andando naquelas ruas coloridas e vendo sem querer uma palestra ao ar livre de Platão, que estava de gueri com uns iniciados, debaixo de uma frutífera. O Platão, no meu caso, que estava sentado no banco do ônibus, era o cobrador e o iniciado era uma senhorita toda grande. Eis o diálogo:
- Quando eu fiquei grávida, menino, foi uma emoção. Meu marido assumiu a criança, ai quando fui fazer o teste e vi as duas listrinhas coloridas, eu morri.
- hum..
- E ai veio aquela fase dos desejos. (ela passava a mão no cabelo preso). Quando eu sentia cheiro de milho cozido, eu salivava. Aqueles outros desejos também, ai..
-hummm!
- Mas sabe como é né, comecei a comer feito louca, e cê sabe, eu tenho quadrilzão, sou alta, fiquei toda grande.
- um barril né?
- éééé... é!

>-\o

Eis o conhecimento latente, violento e certeiro. Enquanto essa pérola foi desferida, eu fiquei fora de si. Obviamente nessa hora, no bus tv, rolava um outro documentário, dessa vez sobre o muzenza.
O diálogo entre eles ficou mais baixo e distante, provavelmente começaram a falar grego e dei conta de que eu não era iniciado. A partir daquela revelação do cobrador, a conversa não mais me pertencia, senti vergonha, levantei e saltei. Se a culpa é do detetizador, os mosquitos da dengue morrem felizes.

violado

A aula era tensa e os três professores estavam desapontados com o rendimento da turma. Primeiro um sermão ácido, depois um mais emocionado e triste, o professor estava velho. Se sentia fraco e lento de raciocínio, não sabia o que fazer diante do impasse.
Enquanto ele lamentava, a sala ficava triste num silêncio convencido de que era momento de mostrar vergonha (não necessariamente sentir).
Um violino repentinamente toca a nota mais triste de todas na minha cabeça e o sermão vira a cena hilária do dia, mas com tantas paredes tristes, só quem ouviu o violino ouviu o meu riso.
Estou convencido que a falta de caráter é do violino.

Museus de Salvador


(mapa com museus localizados por números - bolinhas vermelhas - clique para ver em tamanho maior)


(museus listados - clique para ver em tamanho maior)

Um informativo sobre o guia de museus de Salvador está circulando por ai (achei o "meu" no cinema do museu) e acho que vale a pena compartilhar. Tratei de scanear porque não encontrei a versão digital (procurei no bahia.com.br e no ipac.ba.gov.br), portanto, todos os direitos reservados pra quem fez e teve a paciência de construir os prédios no sketchup (aparentemente a programação visual é de Tempo).

São 29 museus espalhados pela cidade:
01 memorial dos governadores republicanos da bahia - praça da prefeitura
02 memorial da câmara municipal do salvador - praça da prefeitura
03 museu da misericórdia - rua da misericórdia, centro histórico
04 galeria fundação pierre verger - praça da sé
05 museu de arqueologia e etnologia da ufba - terreiro de jesus
06 museu afro-brasileiro - terreiro de jesus
07 museu da ordem terceira de são francisco - rua ordem terceira - centro histórico
08 museu eugênio teixeira leal - rua j. castro rabello, pelourinho
09 museu udo knoff de azulejaria e cerâmica - rua frei vicente, pelourinho
10 museu tempostal - rua gregório de mattos, pelourinho
11 museu abelardo rodrigues - rua gregório de mattos, pelourinho
12 galeria solar ferrão - rua gregório de mattos, pelourinho
13 museu da cidade - largo do pelourinho, pelourinho
14 fundação casa de jorge amado - largo do pelourinho, pelourinho
15 museu da gastronomia baiana - praça josé de alencar, pelourinho
16 casa do benin - rua santo agostinho, centro histórico
17 casa de angola - praça dos veteranos, baixa dos sapateiros
18 caixa cultural salvador - rua carlos gomes, centro
19 museu de arte sacra ufba - rua do sodré, centro
20 museu de arte moderna - av. do contorno, solar do unhão
21 palácio da aclamação - av. sete de setembro, campo grande
22 museu henriqueta catarino (instituto feminino da bahia) - politeama
23 memorial do teatro castro alves - praça dois de julho, campo grande
24 museu geológico da bahia - av. sete de setembro, corredor da vitória
25 museu de arte da bahia - av. sete de setembro, corredor da vitória
26 museu carlos costa pinto - av. sete de setembro, corredor da vitória
27 palacete das artes - rua da graça, graça
28 museu náutico da bahia - forte santo antônio da barra, barra
29 espaço mário cravo - parque metropolitano de pituaçu

Quero muito sair por ai nos dias de folga pra visitar museus que não conheço, quem quiser ir, grita, minha corrente.

Panquecas

Panquecas fazem parte do imaginário de qualquer garoto que nasceu nos anos 1980 e assistiu milhões de filmes na televisão, portanto meu caso não poderia ser diferente. Fui pra cozinha agora de manhã com o objetivo de fazer algumas, depois de uma pesquisa na internet por receitas ontem de noite (eu esqueci como se faz panqueca pelo cook club way).

Após ler algumas receitas, consegui um resultado bom pra versão 1.0 das panquecas, então lá vai:

um copo de leite
um copo de farinha de trigo
um ovo
três colheres de óleo
três pitadas de sal

Bata tudo no liquidificador e depois espere cerca de 10 minutos pra que a massa fique menos cheia de bolhas de ar. Aqueça a panela anti aderente em fogo baixo e pronto. E por favor, não esqueça das três colheres de óleo, são elas que fazem a massa não grudar.

Recomendações de cobertura pra panqueca: nutella, gotas de limão e açúcar, manteiga e queijo, nutella e nutella.

dakota do sul

As carambolas astecas são azuis. Todas. Não são meramente frutas de quintal, são star fruits, possuindo requinte tal para brotarem da terra, que por sinal não tem forma de estrela ou perfume de rosas.
Outro dia uma montanha me pediu pra apagar a boca de George Washington, mas não sou americano, muito menos moro na Dakota do Sul. Deve ser difícil ser montanha da terra, com eiras e beiras para todos, menos para ela mesma.

dejeto desejo

Os meninos (lucas, rafa, joaquim e jp), resolveram fazer uma coisa: materializar em um projeto arquitetônico a compreensão de um texto.

"para que não nos sintamos tão sós, tão sós, não nos sintamos assim, tão sós."
antônio brasileiro

O projeto seria uma residência num terreno da ladeira da barra, a foto do terreno pode ser vista aqui: wikimapia com terreno ao centro da imagem

Além da proposta, do uso e local, a forma de apresentação foi livre, o que possibilitou pra cada uma abordagem bem específica. No meu caso, preparei um modelo 3d, renderizei 5 imagens e imprimi num papel.

Aqui estão elas: (clique nelas pra ver maior)














Após impresso, levei meu A4 pra apresentação e comecei a pensar sobre como articular a forma com o texto, porque parando pra pensar, no momento em que a forma foi criada, não houve um esforço meu pra tentar traçar realmente algum paralelo com a frase de Antônio Brasileiro. A única sensação que eu tive foi de jogar uma forma que caísse sobre o terreno proposto, que é muito acentuado.

Pensar sobre alguma coisa pra mim envolve segurar alguma coisa nas mãos e a essa altura, meu A4 já era uma bola amassada. E dai surgiu um pensamento: amarrar o texto no projeto através de uma contradição.

Comecei imaginando o quão doentio pode ser essa frase de se sentir só e pensei na pessoa mais solitária do mundo. A partir dai, a todo "sós" que Antônio Brasileiro escreveu na frase, eu via apenas o sinal morse clássico de "s.o.s." que seria algo como "save our souls" ou "save our ship". Ou seja, eu encarei que o tempo todo o cara da frase estava pedindo ajuda, de forma desesperada, de forma extrema.

Tendo essa sensação de angústia amarrada, o próximo passo foi pensar num ato angustiado de solidão e me veio a mente o lixo. A cena de jogar um lixo no chão representa muita coisa, seja o fim da utilidade do objeto ou, numa escala maior, o fim do cuidado. Não se sentir cuidado é uma forma de se sentir só e pro nosso amigo angustiado e mais solitário do mundo, a vida não ofereceu muito cuidado.

Com isso em mãos, eu tentei então relacionar os declives de Salvador com o lixo. Muitas encostas da cidade estão cheias de lixo, cheias de dejetos. A forma então passou a ter esse significado forte de dejeto na encosta. O desejo de dejeto. Foi uma forma abandonada naquele terreno, ou muitas formas jogadas, não necessariamente uma única (mesmo que tendo apenas um princípio de aço e vidro retorcido, poderiam ser distintas).

As vezes, quando passo na Vitória, vejo uma casa antiga, aquela perto da árvore gigante onde você tem que sair da calçada por causa do diámetro do tronco e fedor de xixi. Essa casa é linda e abandonada, com um telhado meio vermelho escuro com fungos e lixo e muitas grades num dos muros, juntamente com estátuas e cadeiras e banheiras. A sensação de passar por ela é muito própria, até o clima parece ficar mais gelado. (claro, árvores na vitória, altura e o mar por perto ajudam o frio). E aqueles portões e grades no canto sempre chamam minha atenção. Sempre eles lá, recebendo chuva e ficando mais gastos.

Voltando ao terreno da barra, temos cara solitário, lixo, abandono e dejeto, numa abordagem extrema da frase. Falta a contradição.

Nesse terreno existe uma árvore. Uma mangueira. Ela é linda, viva e frondosa. E ela é só. Ela está entre muros e perto dela, só existe mato. As raízes dela saem por ai, sem ninguém ver. As raízes dela saem por debaixo da terra.

Por mais dejeto que a forma pareça, ela também está em alguns momentos debaixo da terra. E ela vai se alongando ao descer o terreno e ao mesmo tempo, permitindo reformas futuras. Um dejeto com raízes. Por mais isolado e jogado que pareça, existe uma intenção no personagem de não se sentir tão só e isso não é visto, isso é debaixo da terra. O que pode ser feito para que a gente não se sinta tão só? Raízes.

Então temos dejeto e árvore, convivendo na mesma terra. O ápice do lixo, enquanto inutilizável ao lado de algo tão vivo e útil. Ambos sós. A falta de desejo e o desejo, o dejeto e o desejo.

Mas.. como o cara faz pra entrar e sair da casa? Eu sei lá, o cara é doido.

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O mais curioso é que esses conceitos só apareceram depois da forma pronta. Outra coisa muito curiosa é que muitos deles só apareceram porque eu fui o último a me apresentar, o que significa que eu ouvi todo mundo e pude roubar, reciclar e adaptar idéias existentes.

sinal vermelho

Sinal vermelho no campo grande. De um lado, 30 japoneses esperam na calçada a luz verde enquanto atravesso a rua sem carros passando.

Quero pedir desculpas a todos eles, por minha falta de educação.

rua.mp3

motivos levam a uma seleção musical pra viagens: tirar o tédio da passagem das horas, dividir com alguém ou continuar ouvindo o disco super bonder. motivos levam a abandonar a seleção: cd arranhado, outra cola maluca, botão do mp3 player que quebra ou um toca fitas faminto. uma sensação, entretanto, é batata: se por algum motivo essa seleção musical é, depois de meses, revisitada, a viagem também será. é como se a música fosse mais uma camada de tinta nas casas, o paralelepípedo roubado no chão da rua ou aquela pedrinha do rio que cortou seu pé. ou aquele sorriso.

ontem isso aconteceu comigo, consegui ouvir novamente um pacote de músicas que estava num mp3 player tecnicamente quebrado, que reviveu em plena sexta feira santa. músicas selecionadas a dedo pra uma viagem que ficaram paralisadas desde a constatação da morte.

mas naquela hora eu não estava ouvindo cardigans ou stevie wonder: estava vendo a rua, a cidade, o rio, a bicicleta, o sorriso. a música não era apenas mais segundos contados um a um. era um pedaço da minha viagem, pois era imagem. visível, palpável, pedaço. quando andamos numa rua, não pensamos no tempo que isso toma, seja cruzar quarteirões, seja subir a ladeira. ao mesmo tempo, não dá pra ver uma casa sem que os segundos sejam contados um a um. não seria verdadeiro falar que a casa apenas usa o tempo, ou que o tempo é menor, por mais tentador que pareça, mas que a música é tanto espaço quanto tempo, assim como a casa. Como não dá pra tocar a música, sobram as ruas, as casas, as bicicletas e os sorrisos. E por isso mesmo, ela toca tudo.

São Maiden

Fiz uma viagem duplamente necessária: ver o Iron Maiden em São Paulo. O Maiden é coisa querida e acompanho desde 1995, ano do X-Factor e em 2001 fui ver a banda no rock in rio 3. Ou seja, era meu segundo show, com o agravante de, dessa vez, eles estarem com um set list dos sonhos, daqueles que eu imaginava ver ao vivo babando no vhs do maiden england ou do live after death.

Chegando na terra, o primeiro passo foi descançar um pouco antes de ir pra primeira parada: a Augusta. Eis que o rádio é ligado e road to nowhere, do talking heads começa a tocar, instantaneamente. Meu cérebro deu um nó. Não fazia sentido, era uma rádio e pior, road to nowhere foi a última música que ouvi em Salvador, antes de viajar. E foi a primeira que ouvi em São Paulo. Toda aquela mitologia básica de talking heads / nova york / são paulo / cosmopolita viraram um pirão na minha cabeça e eu pensei: "Essa cidade tá de chamego comigo."



Após o choque e apreciar a música, partimos todos pra Augusta, comer uma fatia de pizza. Que pizza. Não me assusta agora todas as questões políticas de São Paulo acabarem em pizza, se fosse em salvador, tudo acabaria em acarajé, mesmo que minha preferência seja abará molhadinho. Nesse meio tempo, andei de metrô e percebi como as pessoas adoram mochilas também, todo mundo usava uma, teenage mutant ninja turtles underground.

O segundo dia foi dedicado à conhecer a paulista e todas as suas artimanhas, meo. Lá estava eu e amigos, andando, vendo os prédios, procurando biscoitos koala e sabendo que no fundo, eu ia ter que me encontrar com ela. Com Lina, em forma de trocinho masp.
gazeta

Passei pelo masp, mas fingi que não vi. Fiz doce, afinal ia custar 15 reais entrar e dia de terça feira é de graça. Não dessa vez, abelhinha. Segui o caminho e fui conhecer a cultura. A dor ia ser parecida, mas pelo menos é de graça. Sofri, mas consegui sobreviver.
para

A noite foi novamente da augusta. Voltar andando em direção ao metrô, às duas horas da manhã pela augusta, é revelador. Vi uma cena que ficará pra sempre na primeira impressão de uma cidade cosmopolita. Vejo uma garotinha no meio da pista, entre os carros. Ela está com duas garrafas de cerveja. Na frente dela, tem um mendingo de paletó correndo. A garotinha então joga uma garrafa nas costas dele. Ambos continuam correndo e ela joga a segunda garrafa. Isso aconteceu em menos de 30 segundos. E ninguém ligava.

parábola

rasante na sua frente, por todos os lados, eles nunca temem riscar o ar. meio kamikaze, porque é sem saber. é de chamar atenção quando um pássaro passa perto de carros parados ou em movimento. bandos.

um pássaro desliza no asfalto

dois pássaros cruzando a rua, nunca entendi porque eles fazem isso. tem tanto ar, tão pouca terra. mas pareciam hipnotizados pela parábola, um atrás do outro. pista de velocidade, carro vermelho arrasante.

um dos pássaros desliza no asfalto. e me deu a impressão que ele não morreu, logo, também não viveu da mesma forma como estamos acostumados. E me deu uma pontada, eu morri. pra ele, um canto de asfalto, num desses canteiros esquecidos e o vermelho pra sempre. lembro de um amigo que deixou o passáro no sol amarelo preguiçoso da cozinha. uma oferenda esquecida e todas as contradições que isso implica. quem morreu foi meu amigo. seu pássaro viu apenas o amarelo. e qualquer cor mais, todas as nossas, daquelas que pássaros carregam nas penas, de fazer inveja a qualquer Picasso. Pra eles, as cores. Pra nós, a morte e a inveja.

Outubro

Outubro é uma caixa rara, vendo agora, assim, praticamente empacotada, com remetentes. Tudo começou com o show de Madeleine Peyroux no Teatro Castro Alves, dia dois. Um show teoricamente impossível aqui, mas que aconteceu pela força da música africana e de suas ramificações em Salvador, talvez.
Ela aparecia imponente no cartaz em frente ao teatro, num belo vestido, maior que a vida. Olhar distante, perdido em alguma luz de estúdio. Ao vivo, no palco, uma contradição. Uma simplicidade, uma falta de jeito as vezes, talvez por nunca saber o momento de lançar sua voz doce e azeda nos ouvidos de quem estava lá. Nada mais perfeito. Cativantes paradoxos. Ela lança a dúvida como ninguém. Nunca doce, nunca amarga, mas os dois, praticamente sem estar lá totalmente, ela vai fazendo meio que sem querer, sem nunca pedir desculpas. Muitas vezes, ela simplesmente passava a mão nos cabelos, sempre presos. E entre esses lapsos, cantava.

crédito: pablo (flickr)

Foi um show silencioso, cheio de espaços vazios e por isso assustador. Muitas vezes, eu parecia estar sozinho. Outras vezes, ela era que parecia estar sozinha e foi nessa hora que pensei em como seria ótimo chama-la pra dançar. Acho que isso nunca tinha passado na minha mente, e dela não passou. É como as coisas parecem ser nesse, tudo parece não passar de pensamento, de nuvens.

.......

O tempo passou e a caixa do Outubro criou volume e finalmente cometi meu ato de sanidade anual. Larguei tudo e fui pro Rio ver Björk no tim festival, dia 26. Durante a confirmação, tive algumas surpresas, como a curtíssima temporada da peça O Púcaro Búlgador, do diretor Aderbal Freire-Filho, baseada no livro O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho no Leblon, no dia 25.
O Púcaro foi o livro que li mais rapidamente de Campos, talvez por ser a cachaça mais viciante logo nos primeiros goles. Ver a peça foi definitivamente uma felicidadezona. Quase agradeci, no cúmulo do meu lado possessivo, o fato de terem poucas pessoas presentes na plateia em plena quinta feira de noite, afinal de contas, livro obrigatório em colégio e tudo o que é canonizado não presta. Nunca imaginei que a densidade despirocada do Púcaro conseguiria ser colocada numa peça com tanta precisão, é de sentir orgulho. A batida da peça é absolutamente perfeita.

O próximo objetivo da noite foi ver Kassin+2 no Circo Voador. Não conhecia nada dele e devo dizer que gostei muito mais das músicas da fase Domenico+2 e de Moreno+2. Mas não posso reclamar, é muito bom mesmo com gritinhos agudos de Uh. Nessa hora, é claro, o Rio já tinha me engolido com seus dentes de pedra.


- Cara, como faz pra chegar no Pão de Açúcar?
- É só seguir as formigas, meo!



Horas passam e lá estou eu no tim festival, esperando um amor de quase dez anos. Björk, na minha mente, sempre foi um ser abstrato, por mais shows ou clips que eu tenha visto na televisão. Ela sempre foi um conceito. Eu sempre acreditei no fato de que uma banda só pode se mostrar realmente ao vivo, então, por mais próximo que eu esteja do trabalho dela, somente no momento em que ela aparecer na minha frente é que as cartas finalmente estarão na mesa. Dito e feito.

Devo dizer que antes dela, o show de Antony e the Johnsons foi muito errado. Não dá pra ouvir um show intimista quando se está à 20 minutos da terceira guerra mundial. Pois bem.

O show de Björk começou com um hino islandês tocado pelas garotas e garotos dos metais. Eles tocavam lentamente, caminhando pelo palco, preparando o chão pra uma coisa muito rara aparecer. E atravessando o palco com passos rápidos, ela entra, pro delírio começar. Ela pula, usa as mãos, dá lingua, totalmente fora de si e se torna naquele momento minha confirmação: é o ser mais abstrato que já vi na vida. Dentro do seu quadro, dentro das cores que ela mesma escolheu. Tudo isso enquanto canta Earth Intruders.

Em Hunter, ela prende todos os presentes, simplesmente soltando teias pelas mãos. Quadros abstratos perdem. É inesquecível. Nessa hora eu me lembro de um comentário muito bom de Tori Amos, numa entrevista, a respeito de Neil Gaiman. Ela fala que Neil não é um cara barato em suas contribuições. Acho que isso poderia definir um show de Björk. Ela não é barata, não é canguinha. Ela chega e te pesca. Ela dá tudo e faz questão que você exploda milimetricamente.

crédito: eu, pá

O show continuou e ela jogou uma sequência destruidora de músicas: hunter, pagan poetry, unravel, the pleasure is all mine, jóga e desired constellation. O setlist continuou, mas eu já era poeira espacial. Vale lembrar que entre uma música e outra, ela simplesmente falava obrigado da forma mais sutil possível. Sim, ela é má.

É engraçado ver Madeleine e Björk juntas aqui. Eu nunca imaginei ver duas apresentações radicalmente diferentes no mesmo mês. Diferentes e maravilhosas. O silêncio de Madeleine é a explosão de Björk. Acho, então que essas duas fotos resumem tudo muito bem.

Obrigado, moças.

Hello, I´m Johnny Cash

Rob Gordon: "Bem, eu não sou o cara mais esperto do mundo, mas certamente não sou o mais idiota. Quero dizer, eu já li livros como "A Insustentável Leveza do Ser" e "Amor nos Tempos de Cólera", e acho que eu entendi do que se tratam. Eles falam sobre garotas, certo? Brincadeira. Mas devo dizer que meu livro favorito de todos os tempos é a autobiografia "Cash", escrita por Johnny Cash."

Vamos começar com esse trecho do filme Alta Fidelidade, que assisti em algum momento de 2002 e desde então acompanha meus pensamentos sobre filmes bacanas que falam de música. A pergunta mais óbvia, depois de ter visto esse comentário é: "Johnny quem??". E lá fui eu pesquisar. Eu já desejava ler esse livro sem nem conhecer Cash, uma dica musical de Rob não poderia estar errada. Desde então, fui tomando doses pequenas, ouvindo os principais sucessos como Hurt, I walk the line e Ring of Fire. Johnny Cash fazia música country e ouvir isso de início parecia ser muito estranho pra mim e minha então realidade musical, mas existia sempre uma curiosidade maior que o preconceito, tinha algo genuino na música dele, uma relação com o que na minha cabeça poderia ser o interior, o campo. (algo meio óbvio e sub consciente, afinal, muitos filmes puxam temas assim, portanto esse cheiro genuino começou a feder na minha cabeça).

O tempo foi passando, a frase de Rob foi para o fundo da geladeira e o primeiro contato com Cash parou por ai. No início de 2006, entretanto, eu soube que o filme Walk the Line (Johnny e June no Brasil), tinha estreado. Cinema, Cash, tentador demais. Era a oportunidade de conhecer a biografia de Cash no melhor estilo americano não li o livro porque estou esperando o filme.
Duas hora depois, eu entendi todos os motivos que levam Rob a gostar de Cash. Definitivamente, a história contada no filme mostra um homem que definitivamente fez muita merda na vida ao mesmo tempo que participava de uma das grandes revoluções da música jovem americana, não necessariamente na ponta da lança como Elvis (estou usando Elvis pra ilustrar até onde essa informação chega pra um público geral, devido à força icônica que ele exercia e, é claro, Cash não era rock and roll, era country).

Então, mais uma vez, após ter visto o filme, me lembro da frase de Rob. Afinal, uma coisa é ver um filme sobre a história de vida de uma pessoa. Outra coisa é ler uma autobiografia. Mas, novamente, esse livro parecia estar longe demais. E como livros é que pegam as pessoas e toda essa minha teoria já desenvolvida por aqui, resolvi assumir o papel de vítima completamente.

Um belo dia fui na Saraiva Mega Store (trovões) e o meu papel de vítima ensaiado e despreparado entrou no palco. Um amigo meu encontrou a parte dos pocket books com preços ótimos e eu dei uma olhada. Depois ele deu outra olhada e encontrou a autobiografia Cash. Obviamente ele comprou, mas consegui pegar emprestado depois. E esse é o ponto: parar finalmente pra ler o livro que rondou meus pensamentos algumas vezes durante alguns anos.

Logo de início, é delicioso perceber como o filme Walk the Line possui uma conotação de cinema maior que a vida (o que faz sentido e é bem óbvio, afinal de contas tudo no cinema é fora de escala propositalmente, seja uma história, seja o tamanho gigantesco das pessoas na tela, o close numa cabeça maior que uma casa). Ao mesmo tempo, ler a autobiografia me fez mergulhar de forma completamente diferente na história de vida dele, a perspectiva muda um pouco, porque o tempo todo eu me sentia como que numa casa, ouvindo histórias de um avô. Então de um lado eu tenho o filme na minha mente com todo aquele poder visual e por outro lado, poder simplesmente visualizar as histórias desse suposto avô. Existe uma sinceridade crua, um sorriso de canto de boca e um arrependimento nas costas escondido. Existe uma saudade cristalizada. E isso nenhum filme poderia passar, não dá.

Nos Campos de Carvalho

"É mais fácil eu existir do que Deus." Walter Campos de Carvalho

Esse negócio de pesquisar livro na biblioteca, comprar na submarino ou pedir emprestado é tudo mentira. Isso não existe e é justamente o contrário. Você está pensando no autor e simplesmente seu colega de sala aparece com um livro dele na mesa, durante aquela aula penosa, ou pior, você está voltando pra casa de ônibus e "Nada dura para sempre" de Sidney Sheldon é colocado na suas mãos por uma passageira em pé, e o livro não faz nem questão de ficar de cabeça-pra-baixo (nem sempre as melhores coisas do mundo te procuram, mas ai já é outra história).

Lá estava eu indo pra primeira Feira Hype, buscando quadrinhos antigos ou aquele lp quando, dentre tanta coisa, encontro um livro preto, com várias caricaturas de traço leve e agudíssimas. Peguei na mesma hora e li o título: "Quem tem medo de Campos de Carvalho?" do autor Juva Batella. Girei o pretinho, li a contra capa, pretenciosa, pra variar, mas com um apelo: não falava de um suposto nome conhecido. Nem de longe. Orelhas de livro com uma orelha desenhadas aqui, uma dedicatória ali, a descoberta que as caricaturas agudas eram do próprio Campos lá, uma introdução na direita e uma outra introdução de Mario Prata, com um pedaço que talvez seja propício escrever:
"Tenho a sorte e o orgulho de ter aqui na minha gaveta o último texto do Campos de Carvalho. Aliás, quando ganhei dele, cheguei a publicar no Estadão. Um pedaço de papel cortado pela metade, escrito com a mão já trêmula de quem estava com oitenta anos. Chama-se "Segundo Sonho". Claro, perguntei pelo primeiro sonho. E ele:
- Não tem primeiro sonho.

Pode parecer bobo, mas essa resposta simplesmente me conquistou, parecia dizer tudo, era o resumo do "humor" dele. E assim li boa parte desse livro, em pé mesmo, lá na feirinha.


os desenhos agudos da capa do livro


Voltei pra casa com o nome, sem o livro e comecei a pesquisar: uma comunidade no orkut, outra comunidade no orkut, uma matéria na revista agulha, outra, mais uma no jornal de poesia, no releituras, uma tese de Geraldo Noel Arantes (unicamp) e a obra reunida na livraria cultura.

Descobri também o livro Cartas de Viagem e outras Crônicas, no site da submarino. Como eu não tinha condições de comprar a obra reunida, tratei de conseguir esse. Eu estava cansado dos textos teóricos, das suposições, dos rótulos acadêmicos. Eu queria simplesmente ler o que havia disponível. E começar pelas Cartas de Viagem e outras crônicas foi a melhor opção.

Um trecho da apresentação de Cartas: "Tendo o autor passado desta para melhor - como espero, ou desta para lugar nenhum - como ele acreditava -, este livro é a melhor notícia aos seus leitores (atuais e futuros) desde a publicação da Obra reunida. As crônicas aqui presentes foram selecionadas entre as que foram publicadas no Pasquim em 1972. Breve janela que Walter felizmente abriu, na enorme parede de seu silêncio. Para quem não leu Campos de Carvalho, são um convite e uma introdução aos romances. Para quem já é fã, servem como uma última fatia do bolo que julgávamos ter acabado, achada no fundo da geladeira, atrás da tigela da salada.
São, basicamente, dois tipos de textos. Na primeira parte, as cartas que enviara para si mesmo na viagem que fez a Lisboa, Londres e Paris. Essas crônicas têm um interesse especial, pois se nos livros de Campos de Carvalho os personagens transitam sem parar por lugares como Helsinque, Casablanca, Filadélfia e Lima (mesmo sem sair do lugar), aqui o autor está realmente fora de casa. Não é sua delirante imaginação criando sultões e haréns, mas descrevendo, de verdade, uma viagem de navio, as mulheres inglesas, um quarto de hotel."
...
"Já que é assim, dou apenas um último aviso: os textos de Campos de Carvalho são como a torre de Pisa na teoria do professor Pernacchio. Quando os lemos pela primeira vez, com os pés no chão, achamos que são completamente loucos. Ao nos aproximarmos e entrarmos em sua escrita, no entanto, vamos percebendo que louco não é ele, somos nós ("só é louco quem não é"). No fim, seu texto, parecerá a única coisa reta num mundo que, agora percebemos, está completamente torto. Não digam que não avisei... " Antonio Prata.

Li esse livrinho num tapa. Quis mais, precisava encontrar a obra reunida. Precisava ler A Lua Vem da Ásia (1956), Vaca de Nariz Sutil (1961), A Chuva Imóvel(1963) e O Púcaro Búlgaro(1964). Nessa época, a já famosa Saraiva Mega Store finalmente pisa em Salvador através do Shopping Salvador. Com as promessas de ser uma ótima livraria, lá fui eu procurar a obra reunida no computador de pesquisa... nenhum sinal. Não quis acreditar e fui perguntar pro atendente, só pra sair com a consciência intacta. Ele procura e em dois segundos me fala: "temos sim, senhor, está na parte de literatura nacional, espera que eu pego." Quando eu digo que os livros ficam de sacanagem com nossa cara...

Livro na mão, comecei as leituras. Tinha o prefácio profético de Jorge Amado, fotos do próprio Campos de Carvalho em várias fases da vida (não vou colocar porque são pessoais), a introdução de Carlos Felipe Moisés e é claro, os quatro livros que foram liberados pelo autor (ficam de fora os dois primeiros (Banda Forra - ensaios humorísticos de 1941 e Tribo, de 1954). Demorei três meses pra ler tudo, sendo que A Lua foi lida em poucos dias e o Púcaro também. Vaca e Chuva imóvel desceram com dificuldade. Não digo assim que são ruins, são muito mais doloridos, não é exatamente o Campos que é mais visto e comentado, existe uma sombra nesses dois livros muito forte.

Acho que o principal motivo disso tudo é dar um testemunho de uma descoberta. Não, não é uma descoberta, afinal não pesquisei. Foi um acidente, eu não esperava. Não adianta nem falar que ele se tornou meu escritor nacional favorito, até porque acho que essa coisa de nacionalidade foi invenção de algum camaleão neurótico. Fica, na verdade, o gosto bom de saber disso tudo e acima de qualquer coisa, de compartilhar um pensamento meu e de Walter: Machado de Assis foi meu grande engano!

Viagem ao Sul da Terra

Desfaço as malas, me desfaço. As coisas algumas vezes são assim, parece. Dentro das malas, quase tudo foi usado, poucas coisas inúteis. Quem não gosta da previsão dos tempos? É uma sensação boa trazer coisas novas, por mais simples que sejam: um porta copo bolacha de chopp da eisenbahn, aquelas esquinas de Curitiba, a pedra no tênis, as patas de cachorro nas calças.
Era pra ser uma viagem pra Floripa, com todas as maravilhas de conhecer uma ilha, de sentir aquele frio, de procurar cervejas conceituais, dar uma escapada pra Blumenau, ver a ponte, as belezas raras e fazer algo que eu adoro, sair aleatoriamente pela cidade, seja andando, seja pegando os ônibus locais. Nada de mini-ônibus de turismo pra mim.

Sai do campus da universidade federal no segundo dia e lá fui pegar um ônibus, direto pro centro da cidade. Mercado Público Municipal, a ponte vista do mirante, a figueira centenária, o shopping iguatemi, mercadinhos locais, um bar com chopp de Eisenbahn. Essa foi, basicamente, minha rota por quatro dias.
Bar em Floripa

Ponte

Alguma coisa, mesmo assim, estava errada. Foram quatro dias muito bons, mas em momento nenhum Floripa tirou meu chão. Talvez porque eu tenha ido pra gostar, talvez porque passei tempo demais no google earth e na wikipedia buscando informações da cidade antes de viajar. Me deu a impressão que tudo aquilo que eu li e pesquisei antes não cabia, não encaixava. Ou talvez, e provavelmente deve ser isso, Floripa encolhe demais com o frio do inverno.
Querendo ou não, é uma cidade cheia de praias, com uma relação forte com o sol, uma dependência, eu diria até. 400.000 pessoas moram lá, é uma cidade do interior.

Quem encolheu fui eu. Quem encolheu fui eu.

A idéia então era fugir. Fugir do enea, de Floripa, da viagem como havia sido planejada por dois meses. E assim foi. Uma fuga em conjunto com quatro amigos, após quatro dias na ilha. Joaquim, Lucas, Rafael, João Paulo e Manuel foram então pra bela rodoviária Rita Maria, comprar passagens pra uma tal de Curitiba. "Foi na pedreira que a Mtv transmitiu um dos últimos shows do Iron Maiden com Blaze, na Virtual Tour 1998. Em Curitiba os ônibus funcionam, um amigo meu já morou e falou algumas coisas que não lembro mais e o Bonde das Impostora é de lá." Era tudo isso que eu sabia de lá, era tudo que eu conseguia lembrar.

Passagens compradas, hospedagem no eco hostel garantida, cinco horas de ônibus e paisagens lindíssimas, lá fomos nós pra Curitiba. E lá se vai meu chão. A cidade me desmontou, me encolheu, me fez sumir. Desde o eco hostel até o centro, as quadras, a falta do mar, o frio, tudo isso foi me digerindo. Existe, definitivamente, algo muito forte em certas cidades que me deixam simplesmente feliz de caminhar num centro rodeado de prédios, de praças, de ruas limpas, de pessoas ríspidas e educadas. Foi assim em Belo Horizonte e foi assim no Rio. Era como ser o vento, sensação que só consigo ter poucas vezes. Esquinas aleatórias, direções aleatórias, ninguém te vê e você apenas vai "adiante". Ou melhor, você apenas vai, não existe norte nem sul. Na prática, só tivemos um dia de caminhadas e ônibus em Curitiba, pois chegamos na sexta e só de noite estavamos devidamente alocados, sobrou o sábado inteiro e no domingo de tarde já era hora de voltar pra Florianópolis. E isso foi mais que suficiente.
Oscar Gagá

A casa do moribundo

Curitiba é cidade pra voltar, voltar, voltar. E pra voltar no frio, no inverno. É a capital do frio, que seja. Florianópolis eu quero conhecer novamente, mas no verão, quem sabe assim eu realmente conheço, pois sinto que dessa vez não valeu, tivemos tempo, mas não tivemos momento. E assim segui pro aeroporto e pude novamente constatar que viajar de avião é simplesmente maravilhoso. Porque consigo, como uma amiga me disse "ver o tamanho dos meus problemas", porque consigo ver as luzes de Salvador à noite, tão lindas e o dique do tororó que passou ali e mal deu pra ver, mas vi. E trago na minha mala dois olhos porque Salvador agora, além de ser sempre mágicamente africana, está mais árabe pra mim: a europa do sul, a Alemanha do sul do Brasil me fez ver minha própria cidade de forma diferente.
Pronto, malas devidamente desarrumadas.